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29/Jan 2018

Brasil - Sem prazo para civilizar coleta de lixo

ESPECIAL LIXO - O CAMINHO DO LIXO NO BRASIL: DA INDÚSTRIA AO DESCARTE AGÊNCIA SENADO 

Publicação: EM DISCUSSÂO ( Edição nº 22 )

Responsáveis pelo serviço, prefeituras alegam falta de recursos para iniciar reciclagem e acabar com os lixões, que deveriam ter sido fechados em agosto. Senado acompanha implantação da legislação de 2010 e busca soluções

A cena se repete a cada almoço. Depois de usar o canudo para tomar o último gole de refrigerante, a pessoa deixa para trás a bandeja, com os restos de comida, guardanapos, pratos e copos descartáveis. E são enormes as chances de nunca voltar a pensar nas coisas que acabou de utilizar e que seguiram para o lixo.

É como a maioria de nós age diante do lixo que produz. E é essa cultura que a Política Nacional de ResíduosSólidos (Lei 12.305/2010) procura mudar, estabelecendo a responsabilidade compartilhada de todos sobre a produção do lixo no Brasil.

"A lei traz preceitos inovadores como a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto e o sistema de logística reversa, ou seja, a responsabilidade pós-consumo do setor produtivo", esclarece o senador Cícero Lucena (PSDB-PB). O texto da lei envolve todos que, de alguma forma, participam da geração de resíduos, inclusive os consumidores, comerciantes, distribuidores e fabricantes. "É uma abordagem inovadora, colocando o Brasil ao lado de países como os da União Europeia e o próprio Japão", acrescenta.

Fruto de um debate que levou mais de 20 anos no Congresso Nacional, a lei, no entanto, enfrenta grandes desafios para deixar de ser apenas um documento com boas diretrizes e intenções e tornar-se parte da realidade nacional.

Lixões resistem:

Uma boa medida dessas dificuldades foi o prazo para o fim dos lixões, terrenos onde resíduos são depositados a céu aberto, sem manejo adequado. Eles deveriam acabar em 2 de agosto de 2014. É o que diz a lei, mas a realidade é muito diferente: mais de 40% do lixo gerado no país ainda vai para lixões. Em plena capital da República, está localizado o maior da América Latina. Pior: ainda não se sabe quando Brasília vai parar de usar seu lixão, em funcionamento há quase 50 anos.

Por conta do tamanho das tarefas que o país tem diante de si, o Senado, por meio da Subcomissão de Resíduos Sólidos, que funciona na Comissão de Meio Ambiente, Fiscalização e Controle (CMA), resolveu acompanhar a aplicação da lei aprovada em 2010. Como resultado, diagnosticou que o financiamento e a capacidade técnica estão abaixo do necessário para enfrentar o problema, principalmente nas pequenas cidades.

A subcomissão se debruçou sobre um tema que vem ganhando importância não apenas no Brasil. Em 30 anos, o aumento do volume de lixo produzido no planeta foi três vezes maior que o crescimento da população, que já é enorme.

Ainda que os brasileiros gerem pouco mais de um quilo de lixo por dia, abaixo da média mundial, o país, pelo tamanho, é o terceiro maior produtor de resíduos sólidos do planeta. A geração total de lixo no Brasil em 2013 foi de 76,3 mil toneladas, 4,1% a mais que em 2012, índice superior à taxa de crescimento da população (3,7%) no período.

No entanto, as discussões sobre os impactos ambientais e os altos custos da coleta e destinação do lixo não costumam fazer parte do dia a dia dos brasileiros, nem das campanhas políticas.

"Já está na hora de dar prioridade nas agendas a esse tema. Sabemos que meios, conhecimentos e recursos podem ser encontrados e que podemos fazer essa mudança", afirma o senador Cícero Lucena, presidente da Subcomissão Temporária de ­Resíduos Sólidos da CMA, com a experiência de, quando prefeito de João Pessoa, ter fechado o lixão que servia a cidade.

Municípios reclamam:

Porém, as prefeituras, responsáveis pela execução da coleta de lixo, reclamam da falta de apoio. Segundo o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, as responsabilidades são repassadas às administrações municipais sem a contrapartida técnica e financeira.

"O Congresso Nacional e o Executivo federal ? e isso é uma acusação ? estão produzindo um conjunto de normas irresponsáveis diante da Lei de Responsabilidade Fiscal. Criam despesas sem indicar as fontes. Isso, além de ser ilegal, não tem o menor sentido. Não adianta fixar prazo. O que o Congresso precisa arrumar são R$ 70 bilhões para se cumprir a lei", afirma Ziulkoski.

Diferentemente dos representantes do setor de meio ambiente e das empresas de tratamento de resíduos sólidos convidadas para as seis audiências públicas realizadas pela subcomissão, Ziulkoski luta para que os prazos da lei sejam revistos. Sem isso, disse, "os ministérios públicos de todo o país estão chamando as prefeituras para assinar um termo de ajuste de conduta (TAC) ou estão denunciando os prefeitos por crime ambiental".

A relatora da Subcomissão de Resíduos Sólidos, Vanessa ­Grazziotin (PCdoB-AM), concorda com a necessidade de prorrogação do prazo. Mais que isso, ela irá prever em seu relatório fontes de recursos federais para que as prefeituras possam financiar a implantação de seus planos para o setor. "Os recursos existentes são escassos e a maioria das prefeituras está inadimplente, sem poder fazer convênios com a União", analisa a senadora.

Saídas e soluções:

Ainda assim, como registrado nas próximas páginas, há também experiências bem-sucedidas pelo Brasil ? e outras tantas mundo afora ? que podem servir de inspiração para as cidades e até para consórcios de cidades no país.

Um dos destaques da legislação brasileira, aliás, é o alcance social. Por conta da grande disparidade de renda, o lixo, desde o início do século 19, serviu como sustento para famílias brasileiras. A partir da década de 80, os catadores passaram a se organizar e, por meio de suas cooperativas, são parte importante da política nacional para o setor.

"Estamos trilhando o caminho da melhor destinação dos resíduos, e temos algumas ?tecnologias? que são próprias do Brasil, como a organização dos catadores em cooperativas e a sua inclusão à operação da coleta seletiva em vários municípios. Essa solução é, além de ambientalmente positiva, socialmente justa", resume Ana Maria Domingues Luz, presidente do Instituto Gea, que trata de educação ambiental.

Quando for encerrada, a subcomissão do Senado espera que a legislação-modelo passe a conviver com um arranjo institucional que ofereça as condições para que a realidade se altere, com a mesma criatividade usada para que o lixo, de sustento degradante, passe a ser uma fonte de renda maior para milhares de brasileiros.




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